Por dentro do ‘BITE ME’ de Reneé Rapp

Reneé Rapp volta ainda mais ousada. Dar play pra chorar? Não mais. Ela quer se divertir. Mas ela também é brutalmente honesta em cada palavra.

O seu segundo álbum, BITE ME, foi lançado nessa sexta-feira (01). Nele, Reneé se joga, provoca, mas continua transparente como um livro aberto. As composições amadurecem de modo em que ela equilibra leveza, vulnerabilidade e o seu forte sarcasmo, o que só faz a gente amar ela ainda mais.

“Há diferenças gritantes entre esse disco e o meu primeiro. Tenho pessoas na minha vida que realmente me amam. Comecei a ligar para os meus amigos. Encontrei amigos com quem não preciso ficar com um pé atrás. Me envolvi em um relacionamento incrível. Comecei a confiar no meu instinto. Me afastei de pessoas que não me faziam bem. Comecei a sair pra festas, deus me livre. (!!) E o mais importante: eu fiz isso para me impressionar — não para impressionar mais ninguém. A questão é: essa merda foi escrita pra mim e foi feita pra você.”

É clara a entrega emocional que Reneé revelou ter vivenciado durante o processo criativo — oscilando entre confiança e insegurança. Ela costura temas delicados e intensos, transformando tudo em um ciclo emocional autêntico.

A seguir, destrinchamos o álbum faixa por faixa — com curiosidades sobre o processo criativo e os bastidores por dentro de cada música:

Leave Me Alone

O primeiro single já entregou a vibe que estava por vir.

Produzida por Julian Bunetta, Omer Fedi e Alexander 23, Leave Me Alone é o puro deboche atrevido da Reneé em forma de música. Ela narra situações absurdas com uma única preocupação: se divertir.

“Sinceramente, quando a gente fez essa música, eu pensei: ‘Isso tá pior coisa do mundo.’ E depois fiquei tipo: ‘Acho que isso tá muito bom.’ Foi estranho, porque eu meio que não estou cantando de verdade nessa faixa, e eu sinto que isso é meio que muito eu.“

Reneé estranhou não cantar uma balada, ou algo que tivesse um significado intenso, que costumava ser a sua zona de conforto. Ela também contou que “Cannonball”, palavra que se repete no final do refrão, era o título original da faixa.

Não tem nada mais Reneé do que o verso “Assinei centenas de NDAs, mas ainda vou falar algo”, no qual ela brinca com o fato de ter assinado diversos contratos de confidencialidade — sem deixar de ser boca aberta. 

Antes do lançamento, os fãs puderam até assinar um “NDA” (falso) no seu site que trazia trechos da letra da música.

Já “I took my sex life with me, now the show ain’t fucking” faz referência direta à série The Sex Lives of College Girls, na qual Reneé interpretava Leighton, uma das protagonistas. Ela deixou o elenco, e apesar de ter sido renovada para uma terceira temporada, a série acabou sendo cancelada após sua saída.

Mad

Escrita em Malibu, essa foi uma das faixas mais rápidas de serem compostas e também uma das primeiras a entrar na tracklist do álbum — o que faz sentido, já que acabou sendo escolhida como o segundo single.

Descrevendo um relacionamento que não deu certo, Reneé aponta como poderiam ter se divertido mais se a outra pessoa não se estressasse tão facilmente. Em tom provocador, ela até brinca que a ex deveria ter se viciado no seu dedo, do mesmo jeito que era viciada em cigarro:

Puff on a cigarette, face all Marlboro red
Slow down, put my finger in your mouth
Pull the bitter taste out
Baby, you can have me instead

Traga um cigarro, o rosto todo vermelho como Marlboro
Devagar, coloco meu dedo na sua boca
Tire o gosto amargo
Amor, você me ter ao invés disso

Why Is She Still Here?

Com uma abordagem mais sexy que destaca a beleza dos vocais de Rapp nas notas mais suaves, a faixa narra a presença incômoda de uma terceira pessoa em meio ao relacionamento.

‘Cause I can’t keep sleeping undercover*
It’s like she’s always in the room

Porque eu não consigo continuar dormindo escondida*
É como se ela sempre estivesse no quarto

A palavra undercover carrega um duplo sentido na composição. Undercover pode significar tanto estar fazendo algo “em segredo”, ou, se separarmos as palavras (under cover), “debaixo das cobertas”. Reneé brinca com esse jogo de palavras para tornar a presença da outra mulher tanto literal quanto metafórica.

A letra traz também as pontadas de culpa, quando Reneé inverte a pergunta e questiona si mesma e à parceira: “Você me faz abaixar os meus padrões… Porque eu ainda estou aqui?”

Sometimes

A balada conta com participação de Ryan Tedder (OneRepublic) na produção e composição. Para quem já conhece o trabalho dele, é fácil reconhecer seu toque dramático, que se encaixa perfeitamente com a entrega emocional de Reneé.

É como se essa faixa representasse a continuação de Why Is She Still Here?, mas em uma fase mais sensível, em que a ausência parcial da outra não só incomoda, mas passar a machucar. Por isso, Reneé tenta retomar o controle: colocando um ponto final no relacionamento, assumindo a situação ou a encarando de frente.

Kiss It Kiss It

A confiança afiada de Reneé volta com tudo em uma faixa animada e provocante. Os versos, cheios de metáforas, referenciam liberdade sexual de modo descontraído, a ponto de brincar que quase fizeram um filho, apesar de duas mulheres não conseguirem engravidar uma a outra.

She asked me how I like my breakfast
I told her, “Hot on the bedroom floor”

Ela me perguntou como eu gosto do meu café da manhã
Eu disse: “Quente no chão do quarto”

You’re gonna kill me if you kiss it like that
Got me in tears, but not because I’m sad

Você vai me matar se beijar desse jeito
Me deixou cheia de lágrimas, mas não é porque estou triste

I told her I’m from Carolina
I know a thing or two about rodeo

Eu disse à ela que sou da Carolina
Eu entendo uma coisa ou outra sobre rodeio

Trechos do refrão foram postados no TikTok antes do lançamento oficial. 

Good Girl

Ainda explorando o tema do sexo de forma ousada, a faixa é um popzinho gostoso e chiclete que mostra como a presença da outra pessoa faz Reneé se soltar, revelando seu lado mais impulsivo — uma bad girl que se deixa levar pelo momento, bem diferente da garota certinha que vai pra casa cedo e se comporta racionalmente.

I Can’t Have You Around Me Anymore

Com um som mais cru e stripped, a faixa entrega toda a sinceridade de Reneé, que confirmou tê-la escrito como uma inversão de Why Is She Still Here?.

Ela retoma a complexidade dos relacionamentos, mostrando uma química tão intensa que acaba se tornando dolorosa e deixa de valer a pena. A música fala da difícil decisão de cortar laços com alguém que, apesar de trazer momentos de animação, no final sempre se torna problemático e acaba prejudicando um relacionamento maior.

Reneé reconhece sua própria fragilidade e entende que o melhor caminho é se afastar para evitar mais conflitos, o que também é a decisão mais saudável.

“Eu queria desesperadamente uma música assim. Que parecesse que, se eu não a escrevesse, eu me mataria.” 

— Reneé em entrevista para o Zane Lowe

Shy

Incomum pra uma pessoa que conhecemos por ser tão segura de si, Shy fala sobre como Reneé se sentia intimidada e sem jeito perto de Towa, sua atual namorada, antes de firmarem um relacionamento. 

Essa música foi gravada mais de dez vezes, com diversos tons e estilos diferentes. Pra Reneé, foi a mais difícil de escrever de todo álbum.

Inicialmente, o refrão já tinha sido criado mas se chamava “Handle With Care” (trate com cuidado) porque Reneé estava surtando ao se sentir assim após sair de um relacionamento complicado.

No fim, a canção se transformou no que, nas palavras dela, deveria ter sido: um pedido para ser cuidada com delicadeza, mas sem piedade alguma.

At Least I’m Hot

Anteriormente planejada pra ser a faixa 10 do seu álbum de estreia, Snow Angel, At Least I’m Hot foi reaproveitada e lançada agora no segundo álbum.

É possível traçar um paralelo com Gemini Moon, onde ela cita ser a passageira e estar indo de carona na relação. Já aqui, ela assume o volante, mesmo que seja em um caminho autodestrutivo.

I’m a hot mess, I kinda wanna crash my car

Sou um desastre, meio que quero bater o meu carro

I Think I Like You Better When You’re Gone

Mikky Ekko, conhecido pelo hit “Stay” com Rihanna, também assina na composição dessa.

O alívio inesperado que a distância traz em um relacionamento é o tópico. Reneé percebe que talvez esteja melhor sozinha, mesmo acreditando que deveria sentir saudade. Com um tom leve, ela transforma a confusão entre culpa e liberdade em um desabafo daqueles que só vêm depois de uns drinks. 

But the more I drink, the more I think, you might just disappear

Mas quanto mais eu bebo, mais eu penso, que você pode simplesmente desaparecer 

O excesso de álcool vira excesso de linguagem: conforme a música avança, as hipérboles na letra se intensificam, enfatizando o quanto a distância a fez se sentir melhor.

I think I like you better when you’re
Out of sight, out of mind
Even wore that shit that you don’t like
Had a little fun, got a little drunk
And it didn’t kill nobody, right?

Acho que gosto mais de você quando você
Tá fora de vista, fora da minha mente
Até usei aquela roupa que você odeia
Me diverti um pouco, bebi um pouco
E ninguém morreu por isso, né?

I think I like you better when you’re
Across the fucking country
Three thousand miles away
Three timezones from my face

Acho que gosto mais de você quando você
Tá do outro lado da p*rra do país
A três mil milhas de distância
E três fusos horários longe da minha cara

That’s So Funny

Alyah, melhor amiga de Reneé, é mencionada logo no início. A música fala sobre alguém que brincou com seus sentimentos e, por mais que Alyah tenha a alertado desde cedo, Reneé demorou a aceitar que estava sendo manipulada.

“A Alyah foi meio que a principal testemunha de tudo e me alertou com muita antecedência, tipo: ‘Ei, só pra avisar, ela literalmente tá tramando algo contra você.’” 

— Rapp no podcast Modern Love do New York Times

You loaded the chamber with secrets only you knew
Dressed up my anger and tailored it to suit you
Taught me to look over, over my shoulder
Alyah said, “Be careful, girl, you don’t really know her”

Você carregou a arma com segredos que só você sabia
Vestiu minha raiva e a moldou pra te servir
Me ensinou a olhar por cima do ombro
Alyah disse: “Cuidado, garota, você não conhece ela de verdade”

Dan Nigro, conhecido pelos seus trabalhos com Olivia Rodrigo, teve participação na composição. A produção de Nigro na música nos lembra inclusive da jovem popstar.

You’d Like That Wouldn’t You

A faixa 12 traz uma vibe que lembra o pop rock clássico da Disney que a gente adora, mas totalmente atualizado para 2025. Ela já havia sido mencionada antes, sem contexto, apenas pelo título “Wouldn’t You”.

A música inteira é um deboche ácido sobre as expectativas da outra pessoa. Reneé cita várias coisas que esse alguém gostaria, enquanto deixa claro que ela está no controle e, no final, que não quer nada com isso.

Honey, it’s pathetic
And I need you to know
The thought of gettin’ back together makes me wanna die alone

Amor, isso é patético
E eu preciso que você saiba
Só de pensar em voltar com você, me dá vontade de morrer sozinha

Ela recupera seu controle se recusando ser moldada por essas vontades, e faz assim um encerramento perfeito do álbum. 

Ouça BITE ME: