
Quando o público faz parte do show: a nova era dos figurinos
Ir a um show nos últimos anos não é só sobre ver um artista ao vivo. Ir a um show se tornou, também, o ato de pertencer a um espetáculo visual que começa bem antes do palco ser montado. Cada vez mais, os fãs chegam aos estádios, arenas e festivais trajados como parte da própria experiência — uma extensão estética da turnê. As roupas viraram códigos de pertencimento, cartas de amor aos artistas e até passaportes sociais dentro da fanbase.
Em tempos de TikTok, Instagram e vlogs de tour, os looks criados para as plateias ganharam protagonismo. Produzir-se para o show deixou de ser apenas vaidade: virou um ato de celebração coletiva e as turnês de alguns dos maiores nomes da música pop mostram como o figurino da plateia já faz parte do grande espetáculo que envolve os shows.
Taylor Swift: The Eras Tour
Poucas turnês traduzem melhor essa nova lógica do que a The Eras Tour. Com um setlist que passeia por todas as fases da carreira de Taylor Swift, o público assumiu a responsabilidade de acompanhar o roteiro visual proposto em cada era.
Se antes o dresscode dos shows era informal e genérico, agora o fã de Taylor pesquisa, compra tecidos, faz provas e compartilha inspirações semanas antes da data do show. Nas filas, é possível ver desde o brilho maximalista do 1989, passando pelo romantismo campestre de Folklore e Evermore, até o preto e vermelho agressivo de Reputation. Cada look é uma declaração pública de qual “era” representa emocionalmente aquele fã.
Além dos figurinos temáticos, o grande símbolo da turnê se tornou as friendship bracelets: pulseirinhas artesanais trocadas entre os fãs. Elas carregam nomes de músicas, piadas internas e até mensagens codificadas que fortalecem o senso de comunidade. No estádio, a plateia vira um grande mosaico brilhante que se movimenta em sincronia com o show — e com as câmeras de quem registra tudo para as redes.
Harry Styles: Love On Tour
No universo de Harry Styles, o show é uma festa onde todos podem ser quem são — ou quem querem ser. A estética da Love On Tour virou um convite ao exagero, ao brilho e ao descompromisso com normas de gênero.
Os fãs apareceram de plumas, calças boca de sino, paetês e transparências. Cores vibrantes como rosa-choque, verde-limão e azul-céu dominam as plateias. Harry criou um espaço onde o próprio conceito de se arrumar para o show ganhou outra camada: é sobre experimentar, ousar e celebrar a liberdade. Styles pode até ser o centro do espetáculo, mas o verdadeiro desfile acontece na pista.
Com o público praticamente uniformizado nessa estética glam-rock dos anos 70 misturada ao pop contemporâneo, a Love On Tour criou uma nova linguagem visual para os shows — uma estética que já influencia até quem nunca foi, mas acompanhou os looks viralizarem online.
Jão: Superturnê
Dentro do cenário nacional, a Superturnê de Jão elevou a estética dos fãs a um novo patamar. Inspirado por um universo que mistura o country americano com uma melancolia pop altamente estilizada, Jão criou um verdadeiro “dresscode emocional” para seus shows.
Os fãs aparecem trajados com couro, transparências, peças em preto e prata, botas, franjas e, claro, chapéus de cowboy — que viraram o acessório oficial da tour. Mas não é o cowboy tradicional: é o cowboy sensível e maximalista. As estrelas, que permeiam o conceito visual do álbum, também aparecem em bordados, maquiagem e acessórios. Existe uma elegância dramática no visual da Superturnê: é o sofrimento com glitter e paetês, o coração partido sob o holofote.
Jão entendeu como poucos artistas brasileiros a força da estética na cultura pop contemporânea: o fã não quer apenas ouvir — ele quer viver a estética do show.
Olivia Rodrigo: Guts World Tour

Na Guts World Tour, Olivia Rodrigo canaliza toda a confusão emocional e estética de sua geração — e os fãs devolvem isso em forma de figurino. A plateia mistura referências do pop punk dos anos 2000, do grunge suave e do Y2K. Mini vestidos de couro, saias plissadas, plataformas, tons de roxo e lilás e acessórios com spikes formam o combo visual que domina as arenas.
A maquiagem também segue o mesmo espírito: delineados gráficos, pedrarias no rosto, cílios exagerados e cabelos propositalmente bagunçados. É o “arrumado-desarrumado” que virou assinatura estética da geração Z — e que reflete o espírito cru, sincero e emocional das músicas de Olivia.
Assim como nas outras turnês, o look virou conteúdo. Fãs registram o processo de escolha, montagem e customização nas redes, criando uma camada prévia de engajamento que começa muito antes da entrada ser validada na catraca.
Beyoncé: Renaissance e Cowboy Carter World Tour
Se existe uma tour que transformou o público em parte ativa do espetáculo, é a Renaissance World Tour. Beyoncé não só entregou um show visualmente impecável, como também estabeleceu uma estética tão forte que o público aceitou o desafio de acompanhá-la.
Prata, glitter, metalizados, óculos futuristas, botas plataforma e silhuetas ousadas dominaram as plateias. Era impossível entrar em um estádio da era Cowboy Carter e não se deparar com um verdadeiro desfile de moda futurista. A estética disco-cowboy ganhou vida nas roupas dos fãs, criando uma harmonia visual impressionante entre palco e plateia — uma festa visual 360°.
K-Pop: O Dresscode Oficial
Entre os ídolos de K-Pop, o dresscode muitas vezes é parte ativa da comunicação com a fanbase. Grupos como o EXO, além de solistas como o Baekhyun e G-Dragon frequentemente sugerem cores, conceitos ou peças específicas para que o público utilize nos shows. Essas indicações, que são feitas em vídeos, posts oficiais e até mesmo lives, ajudam a criar uma identidade visual coletiva e fortalecem o vínculo entre artistas e fãs.
O resultado são plateias que funcionam quase como uma extensão coreografada do palco: tons de rosa e roxo no Reverie Tour do Baekhyun, ou visuais coordenados de preto e vermelho para acompanhar os conceitos estéticos de G-Dragon. No K-Pop, o look do fã se transforma em parte essencial da experiência, unindo a plateia num grande visual coletivo — onde cada fã deixa de ser só espectador e passa a compor o espetáculo.
E, mesmo quando o artista não define um dresscode, os fãs, especialmente no Brasil, mantêm a tradição de seguir as cores oficiais de cada grupo, que são divulgadas logo no início da carreira. Assim, o NCT, por exemplo, nem precisou pedir: o verde limão, cor oficial do grupo, já dominava o VIBRA SP antes mesmo do show começar. Esse senso de unidade estética faz com que, no K-Pop, a plateia esteja sempre pronta para virar parte ativa do espetáculo, mesmo quando o dresscode não é combinado oficialmente.
Mais do que vaidade, o ato de se vestir para uma turnê virou um ritual de pertencimento. Em tempos de alta exposição nas redes sociais, o figurino do show é parte da narrativa pessoal de cada fã. O que antes era apenas “ir ao show” virou “participar do universo do artista” — e o visual é a linguagem comum nesse encontro.
As turnês deixaram de ser só performance musical: são experiências estéticas completas, onde o público não apenas assiste, mas também se apresenta.

